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O homem e o outro
A Criação de Adão de Michelangelo, 1511.
Somos
constantemente tomados pelo espírito de algum deus desconhecido. Seja pelo da
embriaguez, da exaltação, da melancolia, da introspecção, da crueldade, da
malevolência etc. todos os espíritos exprimem ideias que o homem anteriormente
pensou em seu complexo arranjo de conceitos de significações do mundo. O
sujeito homem não consegue fugir de suas manifestações maniqueístas e
estruturalistas da essência das coisas. O “que?” desconhecido lhe escapa sempre
pelos dedos ensaboados da racionalidade, como se fosse intrinsecamente
necessário perguntar a questão fundamental da filosofia “o que é?”. No fundo,
não há, para o homem, como para qualquer coisa, saber algum aguardando no
quarto escuro dos mistérios. Somente algo mais escuro, mais desconhecido e sem
sentido a ser novamente definido como sem fundamento.
Todos os espíritos, sejam anjos ou demônios criados pelo homem, são ideias. Mas não devemos negligenciar tais ideias. Elas são poderosas, extremamente poderosas a ponto de afetar o psicológico humano. Uma entidade – se devemos denominar de tal modo – ativa instintos desconhecidos do ser humano a ponto de, pelo demoníaco ou do divino, operar transmutações nos seus atos. É o círculo vicioso do medo que volta sua face sempre para o fustigar no saber e no não-saber: ele é o movimento de devir próprio da intimidade com a imanência mística. Consiste no movimento centrípeto de conjunção de existência de um mundo outro do que o visível, um fazer tornar fenomênico uma realidade – mesmo que eludida pela racionalidade estrita – numênica e oculta. Um modo de existência obscura que só se desvela nas noites escuras do pensamento, nas embriaguezes da loucura ou do sonho o qual transmite sua (in)sanidade de forma comunicativa ao sujeito consciente, um dionisismo selvagem de brutalidade animalizante aquém da lógica iluminada de um estado de consciência psicologicamente sóbria.
Aturdimentos
de profunda gnose cujo ascetismo não se diz de um aquém ou para além, mas tão
somente um aqui e agora mais profundo e contundente. Como se os diversos deuses,
anjos e demônios que se ocultam sob este véu de Maya não estivessem tão distantes,
mas cuja proximidade não se distinguisse da bactéria que caminha sob nossa pele
e nos é de conhecimento tão natural. Todo um mundo subentendido e enuviado desfocado
pelas lentes grossas de nossa percepção, mas que existe em sua realidade final,
afetando, atuando, mais do que no mundo como “coisa”, mas como Ideia, funcionando
e agindo enquanto poder de afetar o elemento da vontade e desejo do animal
homem. Este ainda tão supersticioso e - por que não? - criativo, animal.
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