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Destaques

Lua

Hécate, deusa grega das encruzilhadas, por Stéphane Mallarmé, 1880. Ah, Hécate, no desvelar da lua A noite obscura encobre o sombrio segredo Do poder oculto e fugidio do aparecer  Na noite eterna que encobre em mistério Soturna e lúgubre a verdade esquecida Entre memórias há muito perdidas e apodrecidas Do que se tem como a luz que emana de ti  Vendo agora, no clarão sombrio  Da noite que engole o Ser e o Mundo  E seu Abismo de negrume e Nada Somos tragados adentro da magia da deusa Hécate, nos abençoe e fortaleça Seu glóbulo ocular entre-nuvens  Disperso porém presente, vívido porém evanescente Somos reféns de ti nas noites de glória Ao grande Sabá cósmico à Máquina Tanatoerótica  De Nosso Senhor Dioniso, expressão viva Da tripartite de seu do rito profano  Deus coroado das terras da Frígia  Gerado, destroçado e germinado  Para ascender do Abismo da destruição  Delirante de alegria orgástica em seu ato de Sacrifício   E pela máxima diabólica da transgressão Lhe solicitamos a benção, ó

O Espetáculo


 Cristo na Tempestade no Mar da Galileia de Rembrandt, 1633. 

Conforme os dias correm todos como se fossem um único, as manhãs ensolaradas me são desconhecidas, o que me importa é buscar por passatempos fúteis para que não seja engolido pela monotonia constante que me acomete no encalço dos meus passos. Numa tragada de um cigarro barato encontro o conforto em tempos nublados que ameaçam não melhorar, onde os demônios afloram e consomem toda sensatez. Existe um talvez? Quem sabe, não sou decifrador de enigmas, e qual a maior esfinge troçadora do que a própria vida? Uma caneca de café de cada vez, testando os limites da ansiedade, a melancolia de noites mal dormidas pensando sempre nos erros do passado. Mas no conselho do amigo afetuoso é lugar comum para se encontrar alguma alegria. Os desertos da mente fazem me perder pela aridez de um mundo sem vida, sem destino. Só quem se perde pode se encontrar, mas quem algum dia iria querer se encontrar, como se houvesse alguma verdade oculta?

Não, estar no deserto é tão somente para se desfazer do eu que tenta ser significante. Em essência, se é que me é permitido falar dessa maneira, não há tal coisa como a verdade de si. Um bom livro é a única companhia que faço questão, onde experiencio vidas que me pertencem tão somente enquanto eu mergulho naquele mundo estranho e ao mesmo tempo tão familiar. Ser uma contradição, algo que se anula em seus próprios argumentos conforme vão surgindo, essa é a forma que essa terra desconhecida me faz. Nada busco, nada sigo, em nada me seguro, só me transformo, me desfaço e me recomponho sob imagens diferentes de mim mesmo. Não sou farol para quem se perde, eu mesmo estou perdido, guias não existem, quem muito busca por um sinal acaba perdendo o foco do jogo. Todos querem falar algo, mas nunca conseguem dizer, palavras não são insuficientes para comunicar o que se sente, o silêncio diz mais do que qualquer coisa. Sou demasiado profundo de emoção para um mundo demasiado raso de compreensão. Em última instância, somos absolutamente livres dentro das limitações impostas a nossa liberdade.

Caminhar pelo campo acaba sendo muitas vezes a mais prazerosa atividade que se pode desejar. Mas os campos estão fechados, as flores murchas e o dia está chuvoso. A tenra melodia de tempos mais gentis canta no ouvido da memória como eterna nostalgia. Não olhe para trás, mesmo que a casa esteja em chamas, pois o caminho é sempre em frente. Para onde? Não faz diferença, só segue. Um dia o sacrifício e o esforço vão cantar seu resultado, até lá não deixe que essa via de dúvidas te tire do trilho. Há sempre um abismo no caminho, mergulhe nele e nade contra a corrente, o cansaço torna os homens mais resistentes, a pressão da profundeza endurece a fibra de viver. O uivar na lua cheia revela todos os segredos ocultos, e se desfazer de si mesmo é o mais alto sacrifício. Esteja pronto para isso, a música toca ao longe enquanto sua vida assume a forma de uma peça. Não se deixe levar pela plateia, atire no mar toda perturbação e incendeie o palco. Faça desse teatro de marionetes seu show particular, seja o maestro da orquestra ao brilhar intensamente para fora da própria casa de horrores.

Ninguém é seu para te levar e você não é de ninguém para ser levado. O estrago está feito, duas saídas se encontram a frente: o nada ou a certeza. Certeza de que você me pergunta, e eu respondo que é de saber que se é alguém. O vazio é de longe o que mais ocupa espaço, então preencha a sala com dança e canto. Que sina mais penosa essa, a de só poder confessar para o papel em branco. Que melhor ouvinte que aquele que só escuta e nada julga. No livro da vida sou um romance trágico, uma filosofia mutante, uma poesia barroca. Nenhum anjo vai cantar no seu funeral, somente as moscas estarão com você no fim. Mas não por isso a graça acabou, desistir não é opção, você vai perder um tremendo espetáculo se pular do barco agora. Mar aberto sem porto, essa é a realidade agora, sem destino ou sentido, somente o bater das águas no casco do navio compensa a viagem. O ingresso já foi pago, e valeu cada centavo.

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