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O Espírito do Segundo Eu
Existe
um problema muito grande com a segunda pessoa verbal numa oração. Mas na grande
oração que se pronuncia a todos os momentos em nossa mente, pois da primeira
pessoa já deriva essa segunda que reflete sobre a primeira como sua consciência
e guia, seu Daemon, como em Sócrates.
Esse eu secundário é nossa alucinante faculdade criativa, julgadora e
conciliadora e, numa cabeça que já habita duas mentes, um terceiro ser incluído
faz multidão. Não é agradável fazer festa no terraço da mente, ocupá-lo com a algazarra
do Carnaval de rua. Onde caminham dois - como que refletidos por dois espelhos
contrapostos - caminham infinitos. Acrescentar gente de fora é sempre
deselegante com seus fiéis convidados. O terceiro é sempre um estranho, um
corpo alienígena pois ele, diferente do segundo, não compartilha seu corpo. É
uma experiência prazerosa compartilhar a mente - e quiçá o corpo - com o
terceiro vez ou outra, mas ele permanece exterior, um vazio nunca capaz de se
preencher.
É
na desolação sem vida que se encontra fora de si mesmo onde nem humano nem
animal são capazes de - com seu afeto - atravessar a cortina de ferro que a
segunda pessoa impõe sobre o “Eu” e o mundo. A segunda pessoa é o guardião cujo
crivo de reconhecimento do mundo faz tudo passar pela penitência da espada do
pensamento, seja racional ou esquizofrênico. A primeira pessoa - como essência
- permanece desconhecida, vítima da intervenção da segunda pessoa e dos
interlúdios da terceira pessoa. O “Eu” sempre se diz de um “Tu” que o responde
como se fosse a sombra do “Eu”. Não há “Eu” a não ser pela morte do “Tu” e do “Vós”,
e da aniquilação do mundo dos “Eles” que o abriga. O “Eu” permanece para nós
mesmos um mistério insolúvel. Desde que há o outro não pode haver o “Eu”. O “Eu”
é o vazio - de si e do todo.
E
que tipo de cataclismo universal pode restituir ao sujeito seu “Eu” sem que o
mundo, por sua vez, seja levado ao fim e juntamente com ele a mente do sujeito
pensante? A solidão introspectiva do indivíduo revela para si a intimidade
profunda entre as três pessoas da oração sem que cada uma delas seja de fato corporificada,
tão somente como espíritos verbais que se enunciam na reflexão como um Ser
destituído de matéria. E é como o poder primordial criador do Verbo que faz o
mundo a partir de si, o homem faz seu mundo como dimensão pensante da massa
informe da linguagem e do comunicar-se consigo mesmo. Criador de mundos,
paridor de vida e de estrelas luminosas cada qual como uma sentença proferida
no vazio do “Eu”. Pois o “Eu” é o vazio criador do inconsciente, e pelo Verbo,
o homem constrói seu mundinho particular de imaginação e diálogo interno com
suas vozes que ecoam - hora mais altas, hora mais baixas - nas cavernas do
pensamento como diversos espíritos conselheiros, zombeteiros e avaliadores.
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