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Destaques

Lua

Hécate, deusa grega das encruzilhadas, por Stéphane Mallarmé, 1880. Ah, Hécate, no desvelar da lua A noite obscura encobre o sombrio segredo Do poder oculto e fugidio do aparecer  Na noite eterna que encobre em mistério Soturna e lúgubre a verdade esquecida Entre memórias há muito perdidas e apodrecidas Do que se tem como a luz que emana de ti  Vendo agora, no clarão sombrio  Da noite que engole o Ser e o Mundo  E seu Abismo de negrume e Nada Somos tragados adentro da magia da deusa Hécate, nos abençoe e fortaleça Seu glóbulo ocular entre-nuvens  Disperso porém presente, vívido porém evanescente Somos reféns de ti nas noites de glória Ao grande Sabá cósmico à Máquina Tanatoerótica  De Nosso Senhor Dioniso, expressão viva Da tripartite de seu do rito profano  Deus coroado das terras da Frígia  Gerado, destroçado e germinado  Para ascender do Abismo da destruição  Delirante de alegria orgástica em seu ato de Sacrifício   E pela máxima diabólica da transgressão Lhe solicitamos a benção, ó

O Espírito do Segundo Eu


 Bruxas no Ar de Francisco Goya, 1797-1798. 

Existe um problema muito grande com a segunda pessoa verbal numa oração. Mas na grande oração que se pronuncia a todos os momentos em nossa mente, pois da primeira pessoa já deriva essa segunda que reflete sobre a primeira como sua consciência e guia, seu Daemon, como em Sócrates.  Esse eu secundário é nossa alucinante faculdade criativa, julgadora e conciliadora e, numa cabeça que já habita duas mentes, um terceiro ser incluído faz multidão. Não é agradável fazer festa no terraço da mente, ocupá-lo com a algazarra do Carnaval de rua. Onde caminham dois - como que refletidos por dois espelhos contrapostos - caminham infinitos. Acrescentar gente de fora é sempre deselegante com seus fiéis convidados. O terceiro é sempre um estranho, um corpo alienígena pois ele, diferente do segundo, não compartilha seu corpo. É uma experiência prazerosa compartilhar a mente - e quiçá o corpo - com o terceiro vez ou outra, mas ele permanece exterior, um vazio nunca capaz de se preencher.

É na desolação sem vida que se encontra fora de si mesmo onde nem humano nem animal são capazes de - com seu afeto - atravessar a cortina de ferro que a segunda pessoa impõe sobre o “Eu” e o mundo. A segunda pessoa é o guardião cujo crivo de reconhecimento do mundo faz tudo passar pela penitência da espada do pensamento, seja racional ou esquizofrênico. A primeira pessoa - como essência - permanece desconhecida, vítima da intervenção da segunda pessoa e dos interlúdios da terceira pessoa. O “Eu” sempre se diz de um “Tu” que o responde como se fosse a sombra do “Eu”. Não há “Eu” a não ser pela morte do “Tu” e do “Vós”, e da aniquilação do mundo dos “Eles” que o abriga. O “Eu” permanece para nós mesmos um mistério insolúvel. Desde que há o outro não pode haver o “Eu”. O “Eu” é o vazio - de si e do todo.

E que tipo de cataclismo universal pode restituir ao sujeito seu “Eu” sem que o mundo, por sua vez, seja levado ao fim e juntamente com ele a mente do sujeito pensante? A solidão introspectiva do indivíduo revela para si a intimidade profunda entre as três pessoas da oração sem que cada uma delas seja de fato corporificada, tão somente como espíritos verbais que se enunciam na reflexão como um Ser destituído de matéria. E é como o poder primordial criador do Verbo que faz o mundo a partir de si, o homem faz seu mundo como dimensão pensante da massa informe da linguagem e do comunicar-se consigo mesmo. Criador de mundos, paridor de vida e de estrelas luminosas cada qual como uma sentença proferida no vazio do “Eu”. Pois o “Eu” é o vazio criador do inconsciente, e pelo Verbo, o homem constrói seu mundinho particular de imaginação e diálogo interno com suas vozes que ecoam - hora mais altas, hora mais baixas - nas cavernas do pensamento como diversos espíritos conselheiros, zombeteiros e avaliadores.

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