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Destaques

Lua

Hécate, deusa grega das encruzilhadas, por Stéphane Mallarmé, 1880. Ah, Hécate, no desvelar da lua A noite obscura encobre o sombrio segredo Do poder oculto e fugidio do aparecer  Na noite eterna que encobre em mistério Soturna e lúgubre a verdade esquecida Entre memórias há muito perdidas e apodrecidas Do que se tem como a luz que emana de ti  Vendo agora, no clarão sombrio  Da noite que engole o Ser e o Mundo  E seu Abismo de negrume e Nada Somos tragados adentro da magia da deusa Hécate, nos abençoe e fortaleça Seu glóbulo ocular entre-nuvens  Disperso porém presente, vívido porém evanescente Somos reféns de ti nas noites de glória Ao grande Sabá cósmico à Máquina Tanatoerótica  De Nosso Senhor Dioniso, expressão viva Da tripartite de seu do rito profano  Deus coroado das terras da Frígia  Gerado, destroçado e germinado  Para ascender do Abismo da destruição  Delirante de alegria orgástica em seu ato de Sacrifício   E pela máxima diabólica da transgressão Lhe solicitamos a benção, ó

O Monstro Debaixo da Cama


Ilustração de Gustave Doré para o conto O Pequeno Polegar.

Um dia ouvi um barulho vindo de debaixo da minha cama durante a noite. Acordei de um sono profundo, contudo, conturbado por pesadelos incômodos. Não me lembro exatamente o que sonhei ou se de fato estava desperto no momento em que fui investigar o som. Me debrucei para ver se havia ali alguma coisa, supondo ser um de meus gatos. Mas o que encontrei foi a coisa mais perturbadora que eu poderia pensar e nunca prever: eu mesmo, numa atmosfera envolta de sombras e convoluto em algo que eu não poderia atribuir como algo de valor sensível. Se o pesadelo perdurou naquele momento, acredito que aquele, de fato, era em si o pesadelo. E se há nos contos de fadas infantis sempre algum tipo de pesadelo intrínseco no clima inocente que lhe é readaptado para os dias de hoje, vejo que em nossas vidas há esse tal pesadelo de um Eu sombrio que habita debaixo da cama como a sombra de um inconsciente subjugado pela luz da razão e dos atos da sobriedade sã. Como uma espécie de ludicidade primordial na criança que existe em nós e nos forma antes de nos tornarmos adultos chatos e condescendentes com imposições morais e legislativas da sociedade, no mesmo sentido que o Diabo tem a alcunha popularizada de “mochila de criança”.

Eu só sei que, quando vi eu mesmo consumido por uma treva profunda e, mais que isso, rindo um riso histérico de onde vinha o som estranho que me acordou, eu fitei diretamente nos olhos da coisa – falo coisa pois não ouso dizer que era eu, como ninguém ousa dizer que sua parte mais oculta é algo de si, sua parte mais denegada e eludida – era um olhar de maldade pura, um cristal que brilhava naqueles olhos como um abismo sem fim, mas ao mesmo tempo da inocência mais sincera, mais profunda, mais autêntica. Como era possível isso? Tamanho crueldade, tamanho desejo de fazer sofrer, tamanha escuridão nas intenções, mas, como que por um paradoxo infinito, não havia aquela velha “maldade” que o homem atribuí às intenções do outro, como um simples fazer para prejudicar o outro com um objetivo em mente, mas tão somente o desejo do mal despretensioso, o mal pelo mal, para satisfazer tão somente o coração pulsante e desejante do mundo que clama pela maldade sem motivo. Se há em toda e qualquer uma dessas histórias infantis antigas alguma “moral da história” que os adultos gostam de estabelecer para as crianças - e nós, homens racionais com medo de seus sonhos sombrios, desejamos sempre extrair algum tipo de ensinamento destes sonhos - é que, em todo e qualquer homem há essa maldade primitiva, esse impulso despretensioso para o “diabólico”. E, como os contos de fada que colocam as crianças na linha, não serão os sonhos modos em que o inconsciente tenta, de algum modo, estabelecer limites para a destruição inerente à criança que permanece em nós? Não seremos nós mesmo nossos monstros debaixo de nossas camas, como sombras de crianças que não praticaram suficientemente suas crueldades de infância?

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