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O pequeno grande erro
Era
uma bela noite. Jorravam sobre nossas cabeças estrelas cadentes como sonhos
perdidos desfixados do céu eterno. Ao nosso redor, jovens apaixonados se
beijavam acaloradamente. Se havia um destino, tudo indicava que aquele momento
era sua confirmação absoluta. O tempo em si mesmo deixava de existir como fluxo
corrente e parava sua circulação como um coração que para momentaneamente de
bombear sangue. Sobretudo, seu olhar era a coisa mais bela que já havia visto
em toda minha vida. Se havia uma explicação possivelmente lógica, obviamente
não segundo leis cientificas, mas talvez de algum misticismo obscuro, era o de
que o tempo parava pelo feitiço presente em seu olhar. Talvez como uma bruxa ou
sereia, mas não no sentido negativo, tão somente na derradeira inclinação para
fazer com que eu me entregasse totalmente, de corpo e alma, a algo que daquele
momento em diante eu não sabia que futuramente iria me arrepender com todo o
amargor. Não obstante, como se ela soubesse tudo o que se passava em minha
mente, até mesmo aquilo que eu ignorava, ela me beijou. Foi de surpresa. Eu
mais do que ninguém não esperava o beijo profundamente apaixonado que ela me
daria naquela noite. Sobretudo, senti em mim algo mais profundo do que a
imensidão do espaço ao redor. E tendo Deus e o universo como testemunha,
declarei, através daquele ato de carinho e ternura, todo meu amor. Que erro,
que imenso erro cometi. A cruel verdade é que não se ama uma mesma pessoa duas
vezes na mesma vida, somente se finge amar novamente. Era, neste caso, a segunda
vez que buscávamos uma reconciliação, no entanto, tudo no mundo já indicava o
contrário para isso. Eu falei em destino? Sim, o destino nos levou até ali, mas
não no sentido de que o que devia ser, será, mas do que deve ser, é. Ou seja,
tudo deu errado no decorrer da noite. Ou, se levarmos em conta a própria
causalidade, tudo deu extremamente certo.
Não
se sabe, de fato, o que um ato ou acontecimento pode resultar quando não
transcorre de fato o rumo da história. Estória, na verdade, pois não falamos
aqui em termos atemporais de uma narrativa eterna, mas de um conto isolado de
vidas mundanas e reclusas à sua pequenez cotidiana. Como uma parte, ainda
assim, influenciamos no grande emaranhado do todo, mas por um fluir de ondas
menores, como uma leve brisa que perde a força com o decorrer do tempo. É
talvez curioso que nossas vidas tenham trazido tanta convergência para as
linhas de existência entre as de tantas outras, fazendo com que alguns destinos
verdadeiramente e necessariamente conectados se ligassem. As nossas, por outro
lado, não estavam nos planos de qualquer entidade superior. Isso só denota o
caráter essencialmente cômico do mundo. Se há um Deus ele é um escritor de
peças tragicômicas, mas de modo algum isso é uma censura. Acredito, de fato,
que isso seja mais bela virtude de Deus. Censurem-me o quanto quiserem os
crentes fervorosos, mas creio eu que beleza inerente do mundo está em sua
completa incoerência. Se eu tivesse finalmente me reconciliado com ela naquela
noite não teria, no final das contas, encontrado o sentido oculto que existe
para mim no transcurso momentâneo e flutuante desta vida que é o de narrar
estas anedotas curiosas para vocês.
A
paixão da vida de um homem nem sempre se encontra no amor de uma mulher, mas
muitas vezes em sua atividade informal de prazer. Seja o prazer aquilo que lhe
traz a alegria da vida no dia a dia, deve se ver nisso seu mais profundo
sentimento de utilidade. Todo mundo deseja ser útil, e não se deve tomar isso
apenas como um trabalho. O ser humano almeja, mais do que tudo, alçar com seus
talentos algo que lhe dê prazer. De tal modo, a alegria é o sentimento mais
banal que existe. Somente o ser humano conhece a alegria, o animal, por outro
lado, reconhece somente estimulações nervosas - prazer físico - não há, de
fato, alegria, pois a alegria é um estado de espírito. Isso seria afirmar que
os outros animais não têm espírito? O que digo na verdade é que a alegria do
ser humano provém de uma contemplação, coisa que os outros animais não são
capazes. A contemplação provém de uma percepção do prazer físico e da
satisfação psicológica deste prazer. Coincidindo ambos, se sobressaí um estado
espirituoso de alegria. No entanto, a alegria não é constante, por exemplo no
caso da felicidade. A felicidade é uma utopia. O movimento constante do mundo,
o princípio do devir nega veementemente a capacidade da existência de uma
fixidez da alegria como estado contínuo de sensação. Pois mesmo que o ser
humano conseguisse obter uma durabilidade da sensação de alegria, o princípio
do movimento o levaria a se aborrecer com a própria alegria, levando-o, por
necessidades fisiológicas e psicológicas, a buscar um desequilíbrio desta
alegria, de tal modo indo de encontro a artimanhas como auto infringir dor a si
mesmo em vias de obter prazer. O prazer, neste caso, não é necessariamente
ligado somente à alegria. Talvez o prazer seja um fenômeno muito mais complexo
e digno de nota do que a alegria, pois ele leva em conta tanto o sofrimento
como a alegria.
Seja
nesses termos conceituais que muito pouco interessam ao homem apaixonado pois
este - no estado da embriaguez romântica - não racionaliza o “o que” nem o “por
que” das coisas, tão somente se entrega ao fogo abundante de suas consequências
delirantes. Assim, como um condenado ao cadafalso sem medo algum do julgamento
de Deus, me entreguei de corpo e alma ao totem de minha adoração sobrenatural
no colo desta criatura que de mim escapava toda percepção puramente empírica
dos sentidos, e como que Adão levado por sua Eva ou - mais profundamente - tentado
pela serpente na forma do primeiro amor do homem ancestral, como uma Lilith que
com sua astúcia me levava a comer do fruto de um conhecimento que eu há muito
já havia provado, me entrego novamente aos seus carinhos e seu amor, pecando
contra Deus e o mundo, contra meu próprio orgulho e minha própria vontade,
restando tão somente a vontade do fundo do abismo de me ligar uma vez mais e
para sempre com a dela, num amor negado, eludido e asfixiado pelos instintos de
preservação da minha solidão mas ao mesmo tempo tão compelido e atraído para si
como um astro eternamente orbitando ao redor de uma estrela. Tudo em nome deste pequeno erro chamado "prazer".
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