Pular para o conteúdo principal

Destaques

Lua

Hécate, deusa grega das encruzilhadas, por Stéphane Mallarmé, 1880. Ah, Hécate, no desvelar da lua A noite obscura encobre o sombrio segredo Do poder oculto e fugidio do aparecer  Na noite eterna que encobre em mistério Soturna e lúgubre a verdade esquecida Entre memórias há muito perdidas e apodrecidas Do que se tem como a luz que emana de ti  Vendo agora, no clarão sombrio  Da noite que engole o Ser e o Mundo  E seu Abismo de negrume e Nada Somos tragados adentro da magia da deusa Hécate, nos abençoe e fortaleça Seu glóbulo ocular entre-nuvens  Disperso porém presente, vívido porém evanescente Somos reféns de ti nas noites de glória Ao grande Sabá cósmico à Máquina Tanatoerótica  De Nosso Senhor Dioniso, expressão viva Da tripartite de seu do rito profano  Deus coroado das terras da Frígia  Gerado, destroçado e germinado  Para ascender do Abismo da destruição  Delirante de alegria orgástica em seu ato de Sacrifício   E pela máxima diabólica da transgressão Lhe solicitamos a benção, ó

Problemas Familiares no Paraíso


Adão e Eva são Expulsos do Paraíso de Gustave Doré, 1886.

Como dito nos escritos sagrados, Deus fez algumas tentativas de aliança com o homem: uma primeira dando a Adão o paraíso, uma segunda reconstruindo o mundo após o dilúvio, uma terceira com as tábuas da lei e uma quarta enviando a si mesmo na forma de “filho” para redimir o pecado do verdadeiro filho, o homem. O que tomo para mim é tão somente o seguinte: a relação de Deus, ou melhor - que demos nomes aos bois e nos tornemos mais próximos d’Ele, como bons conhecidos que somos – Jeová, é a relação de um pai autoritário com um filho rebelde.

Mas a família de Jeová é grande e tem vários dramas, e esse pai de coração duro sempre tenta se conectar e amar seus filhos. Seu primogênito, orgulho de sua estirpe forte e reflexo perfeito de quem era o pai ninguém mais foi do que um sujeitinho chamado Lúcifer. Se Jeová tinha em sua personalidade tão excêntrica as características de pai coruja, mas que, não obstante, queria tudo do jeito dele, esse seu filho não aceitava as regras e queria ser o alfa da alcateia de irmãos anjos que Jeová havia criado. Como bom pai autoritário que era, Jeová não deixaria esse projeto de anarquismo se sustentar e pune, portanto, seu filho Lúcifer da maneira mais severa possível, assim como todos os seus irmãos rebeldes os enviando para a sarjeta de sua grande casa universal, deserdando-os e cortando relações com estes.

Mas Jeová é um pai amoroso e ainda assim sente pesar na consciência com isso e vê que o erro foi seu em não criar corretamente seus filhos. Tenta, deste modo, ser melhor como pai e projeta assim um filho que seria sua cria bem-educada. Adão – o homem – feito perfeitamente à sua imagem não teria nada do que reclamar se ele, ao contrário de Lúcifer, vivesse na ignorância de uma vida perfeita criada por um pai amoroso e protetor. Deu certo por um tempo, até que Adão pediu para Jeová alguém com quem ele pudesse compartilhar sua solidão que não fosse tão somente a visão fraterna e calorosa do pai. Uma primeira moça foi criada, com aquela mesma atitude tão inconformista que o primogênito Lúcifer – Lilith – a qual desagradou tanto a Adão quanto o papai Jeová. Foi um problema quando Adão queria trepar e ela não queria ficar por baixo: que absurdo uma mulher recém-chegada na família não se submeter ao filho favorito de Jeová! Pois então, Lilith foi mandada para o mesmo buraco que Lúcifer. Deserdada, sem direito à herança do céu eterno ou da salvação divina.

No abismo, essa perniciosa moça se encontra com o primeiro filho do pai autoritário e eles se acertam nos desacertos de sua revolta contra papai. Na casa de Jeová, o Éden perfeito, este então resolve criar uma segunda moça para seu filho favorito a qual, desta vez, sendo educada e comportada, não uma puta promiscua como a primeira filha rejeitada. Mas não imaginavam Jeová, Adão e agora a nova filha – Eva – que no abismo, os filhos rejeitados planejavam uma vingança contra a injustiça que a eles lhes fora feita. Daí que Lúcifer e Lilith arquitetam o plano universal para pôr um fim ao favoritismo do filho pródigo: o conhecimento que Jeová tanto escondia de seus filhos queridos como forma de protegê-los seria a forma de imiscuir ali uma dose de pecado.

Lilith ou mesmo Lúcifer aparecem para a comportada Eva na forma de uma sedutora serpente e lhe convence de que há algo muito interessante nesse fruto que papai disse para não comer, um mundo de prazeres ocultos e saberes infinitos. Eva, por sua vez, se vê maravilhada com tal insinuação de possibilidades e resolve provar esse caminho: “ora bolas, se papai nos ama tanto, ele perdoaria um pequeno deslize, não?” Ela convence seu irmão e amante querido, Adão, a fazer o mesmo e no exato mesmo momento Jeová, com sua onisciência - que, por um certo descuido, deixou escapar o plano da serpente astuta - fica extremamente furioso com seus filhos tão bem cuidados. Em um momento de ira descomunal, Jeová expulsa Adão e Eva do mundinho perfeito que havia criado para estes e os coloca no pleno campo da mortalidade da Terra movente.

Não tão severo como foi com Lúcifer e Lílith, pois o coração duro de um pai com o tempo amolece, ele resolve testar seus novos filhos – e os descendentes desses filhos – de outro modo. Jeová pensa: “farei uma prova de força da virtude do homem fora da eternidade perfeita a fim de ver se, com todos os martírios que eu jogar sobre eles, serão capazes de retornar para casa como filhos bons e arrependidos” Ao longo de eras, Jeová envia sobre o homem as mais terríveis atrocidades possíveis sempre testando o vigor de sua devoção, algumas vezes se arrependendo de sua criação e desejando profundamente pôr um fim e punir de vez esses filhos por se desviarem demais de seus princípios. Chega até um momento que tenta fazer um pacto com esses filhos lhes enviando algumas regrinhas básicas para que seja possível uma convivência mais saudável, mas no fim das contas nada dá certo.

Desacreditado, desiludido com esse filho que por tanto tempo amou um amor estranho de um pai que quer bem seu filho apesar de lhe bater constantemente, mas tão somente com o intuito de lhe formar o caráter, Jeová decide aparecer para seus filhos ele mesmo como um novo filho, vestindo uma fantasia de filho para ver como irão se comportar. O novo filho, Jesus, por determinação de si mesmo como Jeová, não sabe que é o próprio pai, mas pensa que é filho, e sabe que tem a missão de salvar o outro filho. Caçula de bom coração, deve ajudar seu irmão mais velho a retomar o caminho correto, contudo sabe que esse irmão é bem temperamental e agressivo por conta da influência do primeiro filho. Jesus tenta de tudo, atraí alguns de seus irmãos para si mas muitos deles ainda o odeiam por ser demasiado humilde.

Lucífer volta de seu retiro de férias imposto e decide tentar o novo filho como fez com o segundo, mas não dá certo. Esse é demasiado convicto nas ordens do papai. Mas não por isso, Lúcifer então resolve atiçar seu segundo irmão de modo que uma algazarra seja feita: “um eu consegui trazer pro meu lado, se o outro não consigo, que eu o expulse daqui!” De tal modo Jesus é - apesar de um pingado de seguidores - perseguido e morto pelo restante de seus irmãos homens. O sacrifício já era previsto por Jeová, seu plano era sacrificar seu filho mais novo para salvar o seu filho favorito. Durante todo o tempo, Jesus foi usado como um bode expiatório para que Jeová conseguisse se reconciliar com seu filho querido cuja relação foi quebrada pela intervenção do filho rebelde.

Jeová nunca aceitou a natureza orgulhosa e imperfeita de Lúcifer e desejou ardentemente que o homem fosse sempre uma réplica sua segundo seus próprios olhos. Mas não via Jeová que quanto mais ele buscava tornar o homem sua imagem e semelhança, ele se tornava a imagem e semelhança do filho mais velho: orgulhoso, arrogante, mau, cruel. A ponto de sacrificar seu filho caçula pelo amor rejeitado de seu filho favorito. O homem herdou igualmente de Jeová seu orgulho, não foi Lúcifer que lhe passou isso – assim como todas as outras características destrutivas. Jesus, talvez por uma certa ironia em ser o próprio Jeová e seu filho concebido tão somente como cordeiro de sacrifício, foi o que mais se distanciou de Jeová na personalidade – mas ainda assim, foi o mais obediente, o mais estreito nas regras impostas pelo pai.

Seu sacrifício não deu certo por muito tempo, pois a natureza de seu filho favorito permaneceu a mesma, talvez tenha se tornado ainda pior. Enfim, o problema dessa família sempre esteve centrado em um pecado muito específico: o orgulho – e é este o pecado original do homem assim como de Deus. Mas quem haveria de poder mudar a natureza desejante de sempre almejar algo como a si mesmo no universo inteiro?  

Comentários

Postagens mais visitadas