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Sobre pessoas
Começa sempre assim, um pequeno incômodo, uma coceirinha no topo do crânio, um cheiro de odor podre ao redor, mas não tão forte, ainda dá pra se conviver. Esse incomodo cresce e você olha ao redor com menos prazer, com menos deslumbramento, você não enxerga mais nos outros qualidades escondidas, não se tem onde mais entrar, a porta foi aberta e a sala é muito estreita, coloca-se o pé dentro da água e ela não bate nem no joelho. O que se passa a seguir é uma claustrofobia, você não consegue conviver com ambientes fechados, mentes pequenas, espíritos rasos, vidas finas, no sentido estreito. E existe algo mais, um cheiro pungente que cresce cada vez mais, um odor de coisa morta. Passam em frente ao espelho como vampiros sem reflexo, apenas cadáveres ambulantes, movidos por cordas como fantoches. É tudo morno demais, nem ferve nem gela, tudo insosso, tem uma luz de fundo incômoda, nem forte a ponto de cegar, nem escuridão onde se possa mergulhar.
Andam todos sempre em grupo, percebeu? Característica marcante de tal animal. Bandos que se interligam, em rituais sempre cheios de pirotecnias e excesso de barulho. Nada melhor do que se afastar, respirar a fresca brisa que vem de locais abertos. Ah, mas também é bom encontrar locais abertos nos outros, além da solidão. Abrir seus baús de tesouro e procurar incessantemente por algo, mas nunca encontrar. Que tipo de prazer estranho, o de não encontrar o que se procura. Como se você mergulhasse e procurasse o fundo, mas nunca o alcançasse. É assustador, ao mesmo tempo em que é libertador. Claro que existem perigos, quanto mais fundo, mais frio e escuro, mas as descobertas, quanto mais dentro do abismo, mais brilhantes são, como um belíssimo, e ao mesmo tempo aterrorizante, peixe-diabo.
Falta ar para tal mergulho, falta oxigênio, nem
mesmo o próprio mar seria capaz de se explorar, de tão diverso, insondável e
povoado que ele é. Navegar em mares assim é de uma alegria incrível, mais ainda
quando os mares se encontram e se perdem, se deslocam em tormentas e calmarias,
misturam ecossistemas e histórias. O mais inusitado e fascinante disso é que as
vezes você encontra mares profundos onde julgava ter visto apenas um charco
raso. E põe seu barco a velejar, buscando as ilhas desertas do oceano, os oásis
do deserto a ser explorado, pois conhecer é mais ou menos isso: mergulhar,
procurar, explorar... se perder, e talvez nunca se encontrar.
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