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Devir
Trespasso, arrasto, me rasgo
Que sina a minha!
Refazer-se, devir demônio.
Ser outro, se fazer outro, passar e atravessar a alma do
outro
Quem é o outro? - me pergunta você
Tudo que não pode ser reduzido ao vazio
Devenho, morro em mim e vivencio, sou, experimento inúmeros,
infinitos, eternos outros
Sou mais que o absoluto, pois essa palavra tosca não é capaz
de expressar o vazio...
De que vazio? - me
pergunta mais uma vez você
Do limiar e da fronteira, daquilo que vaza e escapa, daquilo
que atormenta e enlouquece,
Do que vem e vai, do que volta e retorna, do que circunda e
gira,
Do que está aqui e está lá ao mesmo tempo, daquilo que
realiza o sonho quando acordado,
Daquilo que lembra quando todos já esqueceram,
Daquilo com a memória do que nunca pôde ser lembrado,
Daquilo que não pode ser expresso, falado, compreendido ou
tomado
Devenho isso, detenho somente o que escapa, como
neutralidade, zero absoluto
Determino uma palavra, uma formulação, um signo, um valor, uma
verdade, um conceito, um sentido
Deus, Destino, Demiurgo, Diabo, Devir, Dæmon,
Desejo, Designío, Determinação...
Maldito e teimoso D
Sempre um D maiúsculo...
Outrossim, recuamos; retiramos toda carne, pele, sangue,
osso - toda essa porcaria humana
Ficamos livres no nosso chiqueiro, como porcos que somos,
cheios de lavagem, merda e vômito
Esse é o putrefato berço abortivo do homem. Sem sangue, só
chorume
Pois é nesse suco de podridão que encontramos nossos
pesadelos, nossos diabinhos, nossas mosquinhas...
Elas ficam zumbindo no ouvido, dizendo palavras e
pensamentos maldosos
Mas a ‘raquete elétrica’ - em termos bem contemporâneos – da
vontade é a espada e a lança
O raio e o ensejo divinos daquilo que não pode ser parado,
freado, contido
Que rompe o vazio como o corisco rasgando o céu
Para além do vazio e para além do outro, há o eu
E isso é tudo: tudo o que age, reage, deseja, lembra, pensa,
decide, cria, sente...
Não há nada além disso.
Eu, tu, ele – Minha vontade, meu vazio, meus demônios.
As três pessoas verbais
No princípio era o Verbo...
Verbo, Vontade, Vida... Estamos encontrando um padrão aqui,
pessoal?
A linguagem: essa pentelha forma de expressão, cujo todo
nosso poder reside
Controlo, domino, sobrepujo, imponho, determino, estabeleço...
Tudo através da linguagem
Não importa quanta violência, quanto brutalidade, quanta sanguinolência
se use
Se o fulano passa a falar a língua de beltrano, consumir o
conhecimento de beltrano, receber o código de beltrano
Beltrano vence, pois a verdade de beltrano vai infectar fulano
como um vírus, se propagar como um fungo, fincar suas raízes
Como fugir, como escapar dessa maldição do homem?
Devemos nós balbuciar como neandertais?
Rosnar e fornicar livremente como animais?
Talvez a fala, a palavra e o conceito sejam nossa sina de
humanos...
Eternamente acorrentados ao Verbo que tudo deu forma
O sopro de nossos pulmões
E não seria isso, mais uma vez, o escorregadio e esquivo
Destino decidindo?
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