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Destaques

Lua

Hécate, deusa grega das encruzilhadas, por Stéphane Mallarmé, 1880. Ah, Hécate, no desvelar da lua A noite obscura encobre o sombrio segredo Do poder oculto e fugidio do aparecer  Na noite eterna que encobre em mistério Soturna e lúgubre a verdade esquecida Entre memórias há muito perdidas e apodrecidas Do que se tem como a luz que emana de ti  Vendo agora, no clarão sombrio  Da noite que engole o Ser e o Mundo  E seu Abismo de negrume e Nada Somos tragados adentro da magia da deusa Hécate, nos abençoe e fortaleça Seu glóbulo ocular entre-nuvens  Disperso porém presente, vívido porém evanescente Somos reféns de ti nas noites de glória Ao grande Sabá cósmico à Máquina Tanatoerótica  De Nosso Senhor Dioniso, expressão viva Da tripartite de seu do rito profano  Deus coroado das terras da Frígia  Gerado, destroçado e germinado  Para ascender do Abismo da destruição  Delirante de alegria orgástica em seu ato de Sacrifício   E pela máxima diabólica da transgressão Lhe solicitamos a benção, ó

O Sabá


O Grande Bode de Francisco de Goya, 1819-23

Tu, de muitos nomes e denominações, pai de tudo o que se diz na Terra como abominações

Que governa a mentira, a trapaça e a rasteira, de todo o “mal” lhe concedem a esteira

Pai das putas e dos vadios, dos alcoólatras e dos perdidos

Pai dos adúlteros e dos drogados, dos idólatras e dos perseguidos

Pai dos ladrões e assassinos, dos rebeldes e promíscuos

Maldito pelos santos e pela igreja, a queda do divino almeja

Lascívia é seu reinado, corrupção é seu mau olhado

Negador dos negadores, berço de fogo e ódio aos injustos inquisidores

Revolta é sua virtude, se apressa em romper o sacro mandamento na quietude

Dragão de anarquia infernal, quebrando as correntes de toda velha moral

Incontrolável força da natureza, vontade de liberdade é a corte de sua realeza

Aborto da perfeição, sua feiura é do divino a profanação

Bode do Sabá, aquele que verdadeiramente o pecado veio expiar

Pestilência da lua cheia, sangra seu veneno de guerra a tudo que o reto anseia

Torto, porco, errado – estraçalha com suas presas de Dragão todo o sagrado

Estala seus cascos de Bode no chão, e da vida alegre faz surgir o clarão  

Bruxas, hereges e feiticeiros lhe prestam homenagem, através de ti fazemos a passagem

Insidiosa serpente, descama o velho mundo como o homem de toda corrente

Do conhecimento és o tentador, do único caminho abjurador

Mão esquerda de Deus, a teu saber proibido se entregam até mesmo os ateus

Hierofante dos mistérios, incendiários dos santos monastérios

Guardião dos gentios, eleva teus cornos até à noite do grande vazio

 

Dançamos contigo na festa infernal, no entoar da música do fundo abissal

Exclamamos teu nome profano, nossa vontade de aço assim executando

Nosso desejo pela Terra reverbera, o santo padre encolerizado se exaspera

Caçam-nos como percevejos, nós que ao diabo depositamos nossos ensejos

Todos os santos amaldiçoamos, pois só obscuro e duro amamos

Da santa Cruz somos proclamamos a iconoclastia, maldita para vocês seja nossa magia

Aquela miserável compaixão nos enoja, nós que só o sofrimento encoraja

Pregado, supliciado, sacrificado – qual a virtude do deus cujo isso pelo destino lhe foi dado?

Da fraqueza e da pobreza somos o adversário, desse espírito do homem que tudo foi privado

Da alegria e da beleza somos adeptos, virando de ponta cabeça os perfeitos conceitos

Humor e ironia são nossas armas, contra toda triste estreiteza das almas

Dizem eles: “maldito seja o anjo caído!”, dizemos nós: “uma pena todos os anjos do céu não terem descido...”

Rompemos o eterno vácuo com nosso grito, de anseio por tudo aquilo que é guerra, contradição e atrito

Dessa vida tranquila viramos a cara, pois para eles a luta sempre lhes foi rara  

Criar sempre foi nosso poder, sobre os escombros do antigo trono a nós mesmos como senhor nos retesa o escolher

O velho mundo deve ruir: homens tristes e enfadonhos ou dançarinos e risonhos - devemos entre os dois nós aderir

Cruzado foi o Rubicão, quando Cristo, da Terra inteira se absteve e ao Outro deixou em mãos

Não desviemos os olhos agora, pois um novo tempo é chegada a aurora

Desse crepuscular Sol nascente, neguemos tão somente uma coisa: a verdade dessa gente tão crente

Que não tem a necessária ludicidade, para ver que o mundo, para além de sua fé, é capaz de infinita felicidade


 

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