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O Sacerdote
Nada me falta, sou completo, inteiro, repleto
Escapo da vingança perversa do maldito vigário
Contendo toda a memória do vazio perpétuo
Que tudo o que lhe resta do homem é um maldito ossuário
Esse contraditório inimigo me obriga a voltar-me ao etéreo
Do negativo de Deus representado em um Santo Sudário
Não seria isso o divino? Ausência e negação de si mesmo?
Vislumbro a Cruz e enxergo tão somente uma torrente de morte
O cataclismo que encerra a vida em seu crepúsculo
E para além das contradições da existência e de sua própria
sorte
Tornando o homem no infinito um ínfimo corpúsculo
Este sujeitinho que como pela raiz de toda esperança o capim
Tenebroso, covarde e astuto – o pastor, o padre e o
sacerdote
Como um produto tentam vender sua ‘boa nova’ enfim
Dando as costas para a própria divina imolação
Negando todo princípio da beatitude
Esta que deveria ser a completa redenção
A mais pura e humana virtude
Da vida terrena contra toda e qualquer ascensão
Que seria o Deus sacrificado
Senão completa e profunda profanação
De toda eternidade sacra da culpa e do pecado?
Mas este mesquinho e avaro mercador da salvação
Com seu ímpeto de comércio transcendente
Buscando vender um pedaço do céu
Com o lucro e o poder exclusivamente em mente
Faz de sua moral o homem inteiramente réu
Perverte o Verbo por sua corruptela
Como se a só ele coubesse
A entrada na celeste cidadela
Tosquiando cada vez mais a alma do inocente cordeiro
Capturando sua doce e ingênua essência
Acumulando um infinito novelo
De cegueira, devoção e crença
Enquanto eu vou cada dia que passa
Vendo tal triste espetáculo
Feito com a alma de Deus tamanha desgraça
Me tornando ateu, descrente e incrédulo
Neste Deus que insistentemente tentam me vender
De toda essa nojeira sendo receptáculo
Como se somente fosse uma piada de mau gosto
E nesse mundo de mentiras não restasse mais nada para crer
Tão somente o homem e tudo o que ele tem até o osso
E estes que aguardam dia após dia a chegada do apocalipse
Como se todo o mal da Terra lhes fosse prometido purgar
Verão no céu diurno um grande eclipse
Sem por um momento sequer imaginar
Que toda devassidão gira como uma elipse
E seu império de lágrimas e lamento sempre vai desmantelar
Por mais fervorosamente se ore como uma triste criança
Implorando ao pai um favor
Na volta para casa um brinquedo, um afago ou uma lembrança
Rezando com toda fé, amor e fervor
Nada pode ser feito
Somente chorar e lamuriar
Como sempre entregaram sua responsabilidade a um certo
eleito
Seu grande sentimento, por conseguinte, é que tudo vai lhes
faltar
Cabeças de vento - o vazio é sua vontade, o vácuo seu único
e absoluto desejo
Como virar de ponta cabeça tal contradição? Como o nada
contornar?
Seria preciso, talvez, o homem, Deus em si mesmo
Se converter e se tornar
Após o auto sacrificado filho do eterno
Crucificar?
Óh, Longino, pobre de ti!
Por sentir toda a culpa, o arrependimento e o pesar
Seu erro foi seu convertimento
Não a lança fincar.
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