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Destaques

Lua

Hécate, deusa grega das encruzilhadas, por Stéphane Mallarmé, 1880. Ah, Hécate, no desvelar da lua A noite obscura encobre o sombrio segredo Do poder oculto e fugidio do aparecer  Na noite eterna que encobre em mistério Soturna e lúgubre a verdade esquecida Entre memórias há muito perdidas e apodrecidas Do que se tem como a luz que emana de ti  Vendo agora, no clarão sombrio  Da noite que engole o Ser e o Mundo  E seu Abismo de negrume e Nada Somos tragados adentro da magia da deusa Hécate, nos abençoe e fortaleça Seu glóbulo ocular entre-nuvens  Disperso porém presente, vívido porém evanescente Somos reféns de ti nas noites de glória Ao grande Sabá cósmico à Máquina Tanatoerótica  De Nosso Senhor Dioniso, expressão viva Da tripartite de seu do rito profano  Deus coroado das terras da Frígia  Gerado, destroçado e germinado  Para ascender do Abismo da destruição  Delirante de alegria orgástica em seu ato de Sacrifício   E pela máxima diabólica da transgressão Lhe solicitamos a benção, ó

O Som do Vazio


Os Pilares da Criação - Fotografia do telescópio James Webb, NASA


Quando assustado estou, encurralado em meus problemas e aflições

Olho para o céu como uma criança ansiosa pelo seio da mãe

Oro pedindo paz, tranquilidade e amor

Acima de tudo, peço para o papai do céu uma só coisa: retire de mim todo o medo

Mas escuto vindo lá de cima um som estranho, sinistro que vem como uma trapaça

Um grande entoar pelos acordes de instrumentos musicais engenhosamente projetados

De um algo que não somente não cessa meu medo

Mas o projeta, como uma lupa, rumo ao infinito

Não sei que melodia estranha essa música do vazio se aparenta

Só sei de uma coisa: nenhum medo de coisas comuns sequer chega perto

A morte tem, de certo modo, um tom próximo, mas o grave desse som é mais profundo

O frio da angústia é agudo em comparação, mas não segue o mesmo ritmo

Nesse entoar de sinos infinitos como o mais cósmico requiem aeternam

Com o tenebroso ‘quê’ de cemitério que as estrelas exalam

O vazio lá de cima me responde

Com suas luzes emanadas como o fogo de um crematório

E os astros mortos brilhando como os fogos fátuos

Exalados pelos caixões de defuntos em processo de decomposição

E o medo, mais que nunca, se apossa de mim

Pois o que percebo dessas estrelas é seu caráter fantasmagórico

De velhos carniçais e zumbis reanimados fitando-me atentamente lá de cima

Meu olhar fixo para as estrelas me estremece

Não consigo, de maneira alguma desviar a visão

De um universo todo feito de velhos cadáveres a todo instante me vigiando

 

Mas como a criança dos contos de fadas

Que como que por uma obrigação das lendas tem de aprender

Me vejo impelido ao caminho de volta ao lar

E deste mausoléu de velhas almas decrépitas me despeço a visão

Tornando uma vez mais a boca sedenta para o seio da mãe cheio de leite

E como que por um milagre, estou nele, sempre estive nele, nunca saí dele...

Somente implorei, como um ancião já bem mal da cabeça passa a fazer

Por astros e planetas quando tudo o que dependia sua felicidade e colheita

Já encontrava sob seus pés, próximo de si e circundante a si...

Na noite, um glóbulo branco de sangue pulsante nos ilumina fielmente

Durante o dia, uma esfera de fogo dadivosa

E de infinita generosidade nos concede sua benção

Aqui embaixo, o tormento e a angústia, o medo e o terror

São findados quando eu percebo que minha insignificante carne

É produto desse astro ainda vivo, e deixo de me preocupar com o matadouro

De deuses acima da minha cabeça

Pois como as velhas leitoras de mãos sempre dizem:

As constelações nada mais são do que deuses de outrora

 

Mas pouco me importa um tempo encerrado

Ou mesmo nebulosas como berçários de divindades que nunca meu povo chegará as ver

Somente essa Terra, com todo sangue derramado

Todo incesto, estupro, genocídio, escravidão...

Terra maldita com tanta capacidade de ser bela

Que nada deve aos deuses lá de fora

Que pode ser divina por si mesma

Inteira, completa, eterna – mesmo que finde

E ainda que eu ame essa Terra de controvérsia e contradição

Um frio na barriga me dá toda vez que levanto meus olhos para o céu

Pois sei que o homem não será nunca capaz de satisfazer-se

Com o que o infinito maior do que a própria Terra lhe deu

E ansiar por deuses há muito mortos tem de oferecer

E quem sabe o que os criadores desses deuses serão capazes

Quando nós os encontrarmos?

Ou mesmo, o que será que nós iremos encontrar, quando o limiar último

Nós cruzarmos e descobrirmos de onde vem

E o que é a fúnebre música do vazio lá longe?

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