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Poesia
Lixo, lixo, lixo, mil vezes lixo!
Toda palavra que sai de mim é veneno
Queima, corrói, arde
A linguagem em mim é como um encanamento enferrujado
Pinga, range, treme
O poeta é um maldito encanador
Trabalho miserável de fuçar em latrinas de palavras de merda
Conectando, juntando, associando lixo com merda
Nada é suficiente, o encanamento sempre está entupido
Falta a porra da palavra certa pra expressar
Tudo o que eu quero é que a parede estoure
E vaze toda a torrente de verborragia linguística entalada
na minha garganta
Cortar, picar, rasgar
Reduzir o verbo ao sub-molecular
E dele, eu que por tanto tempo de tudo fui privado
Dar a descarga no inferno que explode em minha alma
Que cada palavra deixe de significar a si mesma e signifique
mais que tudo, menos que nada
Quanto cansaço um homem pode suportar até rachar a cabeça
contra a parede?
O cérebro tornado pintura - estourado na parede por sobre a
privada
Uma arma na boca, uma breve pressão no gatilho e BAM! - Arte
Sangue, vísceras... e merda
Maldita linguagem! Me privando de tudo, da liberdade de ser
homem
Quero ser animal como o cão, cheirando o cu do outro cão
Roer, rasgar, estraçalhar
Toda minha violência vaza, escapa, encontra seu lugar aqui
Nessa circunscrita penitência
Linguagem maldita, me impede de ser besta, fera, selvagem
Me faz um com a mosca em seu enxame
Na podridão da carne estragada, cheia de vermes e de larvas
Me propago, me espalho, como o demônio nos porcos
Sou um, sou vários, sou ninguém
Estou cansado de falar, de me dirigir ao outro, então
escrevo
Maldita linguagem, me enclausura no conceito
Quero queimar todo o conceito com o fogo do Sol, reduzir
toda denominação ao pó
Como se eu esmurrace todas as montanhas da Terra tornando-as
pedregulhos
As paredes desse quarto de palavras eu quero derrubar com
minhas mãos
Até sangrar, até restar só o osso
Tijolo e fibra, cimento e sangue
De toda palavra quero me livrar, até restar só o rugido, o
grunhido
Loucura, pérfida tortura
Quero morrer de inanição de substantivos, de abstinência de
adjetivos
Da anestesia do verbo como um vício que me desvencilho
Quero cortar o cordão umbilical com todas as letras
Quero fazer poesia dos carniceiros e açougueiros
Quanta beleza não há para ser expressa sobre um animal estraçalhado
num matadouro?
Também os morcegos são capazes de poesia
O que não dirão do vampirismo e da cegueira?
Por que um vírus é pior do que uma flor?
E mesmo o leão devorando a zebra encontra uma certa beatitude
particular
Estou cansado sempre do mesmo, das mesmas palavras repetidas
e vomitadas
Sangro tanto que o torniquete da filosofia não estanca
Exaurido de palavrinhas garbosas, desgastado de discursos
vazios
Se da pretenciosa linguagem não posso me livrar, quero revira-la,
contorce-la
Espremer até sair todo esse caldo viscoso de negação
Cair, cair, cair até todo chão atravessar
E quando no inferno chegar, dançar uma valsa com o diabo
Numa grande algazarra que fará toda a Terra lá em cima tremer
Para provar aos grandes almofadinhas da palavra
Que o demônio também é capaz de poetizar
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