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Destaques

Lua

Hécate, deusa grega das encruzilhadas, por Stéphane Mallarmé, 1880. Ah, Hécate, no desvelar da lua A noite obscura encobre o sombrio segredo Do poder oculto e fugidio do aparecer  Na noite eterna que encobre em mistério Soturna e lúgubre a verdade esquecida Entre memórias há muito perdidas e apodrecidas Do que se tem como a luz que emana de ti  Vendo agora, no clarão sombrio  Da noite que engole o Ser e o Mundo  E seu Abismo de negrume e Nada Somos tragados adentro da magia da deusa Hécate, nos abençoe e fortaleça Seu glóbulo ocular entre-nuvens  Disperso porém presente, vívido porém evanescente Somos reféns de ti nas noites de glória Ao grande Sabá cósmico à Máquina Tanatoerótica  De Nosso Senhor Dioniso, expressão viva Da tripartite de seu do rito profano  Deus coroado das terras da Frígia  Gerado, destroçado e germinado  Para ascender do Abismo da destruição  Delirante de alegria orgástica em seu ato de Sacrifício   E pela máxima diabólica da transgressão Lhe solicitamos a benção, ó

Poesia


A Fonte de Marcel Duchamp, 1917

Lixo, lixo, lixo, mil vezes lixo!

Toda palavra que sai de mim é veneno

Queima, corrói, arde

A linguagem em mim é como um encanamento enferrujado

Pinga, range, treme

O poeta é um maldito encanador

Trabalho miserável de fuçar em latrinas de palavras de merda

Conectando, juntando, associando lixo com merda

Nada é suficiente, o encanamento sempre está entupido

Falta a porra da palavra certa pra expressar

Tudo o que eu quero é que a parede estoure

E vaze toda a torrente de verborragia linguística entalada na minha garganta

Cortar, picar, rasgar

Reduzir o verbo ao sub-molecular

E dele, eu que por tanto tempo de tudo fui privado

Dar a descarga no inferno que explode em minha alma

Que cada palavra deixe de significar a si mesma e signifique mais que tudo, menos que nada

Quanto cansaço um homem pode suportar até rachar a cabeça contra a parede?

O cérebro tornado pintura - estourado na parede por sobre a privada

Uma arma na boca, uma breve pressão no gatilho e BAM! - Arte

Sangue, vísceras... e merda

Maldita linguagem! Me privando de tudo, da liberdade de ser homem

Quero ser animal como o cão, cheirando o cu do outro cão

Roer, rasgar, estraçalhar

Toda minha violência vaza, escapa, encontra seu lugar aqui

Nessa circunscrita penitência

Linguagem maldita, me impede de ser besta, fera, selvagem

Me faz um com a mosca em seu enxame

Na podridão da carne estragada, cheia de vermes e de larvas

Me propago, me espalho, como o demônio nos porcos

Sou um, sou vários, sou ninguém

Estou cansado de falar, de me dirigir ao outro, então escrevo

Maldita linguagem, me enclausura no conceito

Quero queimar todo o conceito com o fogo do Sol, reduzir toda denominação ao pó

Como se eu esmurrace todas as montanhas da Terra tornando-as pedregulhos

As paredes desse quarto de palavras eu quero derrubar com minhas mãos

Até sangrar, até restar só o osso

Tijolo e fibra, cimento e sangue

De toda palavra quero me livrar, até restar só o rugido, o grunhido

Loucura, pérfida tortura

Quero morrer de inanição de substantivos, de abstinência de adjetivos

Da anestesia do verbo como um vício que me desvencilho

Quero cortar o cordão umbilical com todas as letras

Quero fazer poesia dos carniceiros e açougueiros

Quanta beleza não há para ser expressa sobre um animal estraçalhado num matadouro?

Também os morcegos são capazes de poesia

O que não dirão do vampirismo e da cegueira?

Por que um vírus é pior do que uma flor?

E mesmo o leão devorando a zebra encontra uma certa beatitude particular

Estou cansado sempre do mesmo, das mesmas palavras repetidas e vomitadas

Sangro tanto que o torniquete da filosofia não estanca

Exaurido de palavrinhas garbosas, desgastado de discursos vazios

Se da pretenciosa linguagem não posso me livrar, quero revira-la, contorce-la

Espremer até sair todo esse caldo viscoso de negação

Cair, cair, cair até todo chão atravessar

E quando no inferno chegar, dançar uma valsa com o diabo

Numa grande algazarra que fará toda a Terra lá em cima tremer

Para provar aos grandes almofadinhas da palavra

Que o demônio também é capaz de poetizar 

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